De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, o vocábulo viúvo/a significa alguém “cuja mulher ou marido morreu, e ainda não casou de novo”; é alguém “que está ou se sente em desamparo, desconsolo, privação, solidão”.
Viúvo/a é definido, ainda, como o/a “cônjuge sobrevivente de uma sociedade conjugal que se dissolveu com a morte do outro componente”.
Mas, segundo o sui generis “léxico militar”, viúvo/a tem um significado especial: é sinônimo de privilégio indecente; é uma excrescência típica da caserna; é um modo parasitário de captura do orçamento nacional por estamentos saqueadores, como são as Forças Armadas.
Caso o tenente-coronel Mauro Cid seja expulso do Exército, sua esposa Gabriela de nenhum modo ficará desamparada, pois ela passará a ser uma abastada pensionista vitalícia – da mesma maneira que a esposa do ex-militar Ailton Barros, o comparsa de Mauro Cid na fraude dos cartões de vacina que foi expulso do Exército ainda em 2006.
A rigor, como cúmplice e partícipe junto com Mauro Cid na prática de alguns crimes, como na falsificação de documentos públicos e na trama golpista, é no mínimo paradoxal a concessão a ela deste privilégio por parte do mesmo Estado que ela tentou destruir.
Mauro Cid é um multi-delinquente fardado que, cumprindo missão militar por designação do Comando do Exército, praticamente passou em revista o Código Penal brasileiro.
Fosse ele um servidor de carreira civil do Estado, responderia a procedimento administrativo, seria exonerado a bem do serviço público e, caso não cumprisse as regras previdenciárias, não poderia se aposentar no cargo. E sua esposa jamais teria direito a pensão vitalícia.
Para Mauro Cid, contudo, a situação é diferente. Mesmo expulso do Exército por justa causa, o delinquente ainda será recompensado. Privilégio exclusivo de fardados e togados.
Atualmente Mauro Cid recebe um salário bruto de R$ 26.239,50 [Portal da Transparência]. A situação dele é diferente da enfrentada pelo comparsa de golpe Anderson Torres, cujo salário de delegado da PF foi suspenso porque estando preso, ele não comparece na repartição.
Do mesmo modo que Anderson, Cid não bate ponto na repartição, mas por ser integrante da família militar, ele consegue preservar o holerite em dia.
Do total de quase 30 mil reais de soldo mensal, Mauro Cid não desconta um único centavo a título de contribuição previdenciária para a própria aposentadoria [reserva]. Ele desconta apenas para a pensão militar. Em junho de 2023, tal desconto foi de R$ 3.148,73.
O valor da pensão que Gabriela passará a receber poderá ser menor que o soldo atual do seu cônjuge morto-vivo, pois a pensão é calculada proporcionalmente ao tempo de contribuição dele ao longo da carreira.
Ainda assim, no entanto, a pensão desta “viúva ficta” será muito maior que a de qualquer pensionista do Regime Geral da Previdência Social [RGPS], o sistema previdenciário dos trabalhadores que foi duramente atacado nas contrarreformas de Temer e Bolsonaro.
E a pensão dela também será superior ao valor médio de pensão paga à maioria esmagadora de pensionistas do setor público – tanto federal como estadual e municipal.
Este privilégio militar é apenas um dentre inúmeros outros da caserna que conformam a natureza saqueadora das Forças Armadas, que assaltam o orçamento nacional. Embora previsto no Estatuto dos Militares [Lei 13.954/2019], é indecente, imoral e inaceitável.
No contexto de tantas bandalheiras, desvios e abusos, soa como piada de péssimo gosto a pressão do ministro da Defesa José Múcio Monteiro e do general Tomás Paiva por aumento salarial para os fardados, que representam um fardo muito pesado no orçamento da União.
Dos R$ 106 bilhões gastos pelas Forças Armadas em 2022, 87,4 bilhões de reais – 82,4% deste total – foram dragados para o pagamento de salários, aposentadorias [reserva] e pensões vitalícias para cônjuges e, inclusive a maior parte, para filhas de militares. Uma obscenidade.
Originalmente publicado no blog do autor
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