Publicado originalmente no The Atlantic:
POR LETÍCIA DUARTE
Conversar com Olavo de Carvalho pode ser um exercício de autocontrole. Quando entrei em sua casa para uma entrevista recentemente, ele estava sentado atrás da mesa, com os cabelos grisalhos penteados para trás. Mais de 100 cachimbos estão enfileirados em uma prateleira e milhares de livros, empilhados nas prateleiras de seu escritório em casa, juntamente com pelo menos 20 rifles. Ele me cumprimentou com uma profunda carranca e olhos arregalados antes de apontar para a impressão de um artigo recente que eu havia escrito e berrando: “Que porra é essa?”
Assim começou nosso segundo encontro.
Sentado à sua frente, vi que ele já havia configurado seu computador para filmar nossa conversa, sua câmera de laptop emoldurando meu rosto. (Ele grava todas as suas entrevistas com repórteres, a quem chama de “inimigos do povo”, geralmente as divulgando no YouTube. Depois, elas são compartilhadas por seus seguidores, com títulos como “Olavo humilha o jornalista”.) Um punhado de outros parentes e amigos estavam sentados em um sofá atrás de mim, comendo Burger King e fumando cigarros, como uma platéia esperando por um show.
Eu estava tentando há meses entrar em contato com ele, e apenas duas horas antes, ele havia concordado em me encontrar. Ele havia lido minha história sobre ele e queria uma chance de responder. Em pouco tempo, ele estava estendendo o braço direito e apontando o dedo indicador para o meu rosto. “Você é muito maliciosa, travessa, mentirosa – você está me difamando!”, Ele gritou.
“Você é uma vagabunda”, ele continuou, abanando o dedo. “Você vem à minha casa com esse sorriso cínico …Você não vale nada, mulher!”
Sua linguagem poderia ser desconsiderada se fossem ataques aleatórios, se ele fosse um excêntrico do interior político. Mas Olavo de Carvalho é outra coisa: conhecido simplesmente como “Olavo” em todo o Brasil, o ex-astrólogo, ex-comunista e ex-jornalista se tornou a voz mais virulenta contra a esquerda no Brasil. Seu comentário reverbera imediatamente em todo o país, propagado por seus mais de 1 milhão de seguidores no YouTube e no Facebook. Adorado pela direita e ridicularizado como um extremista pela esquerda, Olavo e suas crenças são discutidas quase diariamente no Brasil, desde tópicos no Twitter até longos artigos de revistas.
Ele é poderoso por outro motivo. O senhor de 72 anos é o arquiteto da visão de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro. Filósofo autodidata que nunca concluiu o ensino médio, Olavo formou uma nova geração de líderes conservadores no Brasil por meio de um curso de filosofia online que ministra há 10 anos. Ele estima que cerca de 5.000 estudantes estejam atualmente matriculados em seu programa e que 20.000 pessoas assistiram às suas aulas, incluindo membros do gabinete de Bolsonaro.
Agora, de sua casa em estilo de fazenda neste condado rural ao sul de Richmond, ele está no centro de uma ideologia anti-intelectual que molda as políticas de uma nação de mais de 200 milhões de pessoas, inspirando um dos líderes mais extremos do mundo e, ao fazer isso, transformando crenças periféricas em ação governamental.
Seria fácil compará-lo a outro ideólogo de direita mais conhecido, que oferecia orientação a um vencedor presidencial surpreendente. No entanto, Olavo se irrita com as comparações com Steve Bannon, ou pelo menos costumava se irritar. Quando conheci Olavo, há um ano, Bolsonaro havia sido eleito, mas não empossado, e Olavo ainda não conhecia Bannon pessoalmente. Ele me disse na época que não levava Bannon a sério. Muita coisa mudou desde então. Duas semanas após a posse de Bolsonaro em janeiro, Bannon se encontrou com Olavo em sua casa em Petersburgo e, alguns meses depois, Olavo foi convidado de honra em um evento organizado por Bannon no Trump Hotel em Washington, onde o ex-estrategista-chefe da Casa Branca apresentou-o a um grupo seleto de cerca de 100 convidados conservadores. “Olavo é um dos grandes intelectuais conservadores do mundo”, disse Bannon.
No dia seguinte ao que Bannon festejou Olavo, foi a vez de Bolsonaro. Durante uma visita a Washington – a primeira viagem internacional do líder brasileiro como chefe de Estado – Bolsonaro organizou um jantar formal na residência do embaixador brasileiro. Olavo estava sentado à direita de Bolsonaro, Bannon à esquerda. Bolsonaro disse em um discurso que sonhava há muito tempo em libertar o Brasil da nefasta ideologia esquerdista. Depois, olhou para Olavo e disse: “A revolução que estamos vivendo, em grande parte devemos a ele”.
Não foi a primeira vez que Bolsonaro honrou Olavo publicamente. Em seu primeiro discurso à nação após sua eleição, o ex-capitão do exército colocou quatro livros em sua mesa: a Bíblia, a constituição brasileira, as Memórias da Segunda Guerra Mundial de Winston Churchill e um livro de Olavo – O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. “O que mais quero é seguir os ensinamentos de Deus ao lado da constituição brasileira”, disse ele. “Eu também quero ser inspirado por grandes líderes, dando bons conselhos.”
Bolsonaro conheceu Olavo pessoalmente somente após sua vitória nas eleições, mas o relacionamento deles começou quase uma década atrás, quando as contas online de Olavo chamaram a atenção dos filhos de Bolsonaro, que são eles próprios políticos. Em 2012, o filho mais velho do líder brasileiro, Flavio, representante na assembléia estadual do Rio de Janeiro, viajou para a casa de Olavo, na Virgínia, para lhe conceder a medalha Tiradentes, a maior condecoração do legislador. Cinco anos depois, outro filho, Eduardo, um representante legislativo nacional, transmitiu um vídeo da casa de Olavo vestindo uma camiseta que dizia “Olavo está certo”. Os manifestantes cantaram o mesmo slogan nas manifestações de rua contra o governo federal antes da eleição de Bolsonaro, censurando os escândalos de corrupção que o ajudaram a levá-lo ao poder.
Hoje em dia, quando Olavo fala, Bolsonaro escuta. O presidente aceitou a recomendação de Olavo ao indicar como ministro das Relações Exteriores um cristão conservador que chamou a mudança climática de “conspiração marxista”. Aqueles que dirigem o “gabinete de ódio” de Bolsonaro, encarregado de manter um tom de raiva nas mídias sociais e em suas aparições públicas, parecem se inspiraram em Olavo. Um ex-aluno de seu curso de filosofia online agora é ministro da Educação do Brasil e começou a converter seus ensinamentos em políticas governamentais: para combater o “marxismo cultural”, o governo reduziu em 30% o financiamento operacional das universidades federais – consideradas centros de doutrinação de esquerda.
O ódio declarado de Olavo ao comunismo, no entanto, talvez informe mais fortemente as políticas de Bolsonaro no Brasil. Ele forma o núcleo das crenças dos dois homens, fornecendo uma justificativa para as políticas de “lei e ordem” nas quais o presidente facilitou o acesso de civis às armas e incentivou a repressão policial nas favelas; oferecer uma crítica contra os “esquerdistas” que argumentam que os direitos humanos estão sendo pisoteados; e permitindo uma defesa da ditadura militar brasileira, interpretada na visão de mundo de Olavo como uma “revolução” que salvou o país do comunismo na década de 1960. Em seus 27 anos como congressista, Bolsonaro frequentemente se pronunciava a favor da ditadura, dizendo que seu maior erro foi parar de torturar dissidentes, em vez de simplesmente matá-los.
Quando citei algumas dessas declarações públicas a Olavo, ele as dispensou. As declarações de Bolsonaro, ele disse, muitas vezes são “cheias de hipérboles e piadas”.
Bolsonaro e membros de seu gabinete são seguidores de Olavo – em agosto, ele recebeu a maior condecoração diplomática do Brasil, por “serviço e mérito” -, mas seu alcance realmente se estende ainda mais, graças à sua presença online.
Olavo chegou aos Estados Unidos pela primeira vez em 2005, para trabalhar como correspondente em Washington do Diário do Comércio, então jornal impresso. Ele me disse que, embora estivesse anteriormente em estreito contato com políticos e jornalistas americanos, ele logo “perdeu o interesse” porque “são um bando de pessoas chatas”. Ele encontrou sua ligação na Internet.
Em 2009, ele criou seu curso online para enfrentar o que ele havia diagnosticado como o principal problema do Brasil: o “domínio esquerdista” da mídia e das universidades do país. Ele me disse que esperava construir uma classe política conservadora em 30 anos. Na realidade, levou muito menos tempo.
Em suas lições, ele espalha a mentira de que os nazistas eram um partido de esquerda (retórica usada pelos apoiadores de Bolsonaro contra seus oponentes políticos), ensina a seus alunos que desrespeitar o inimigo é um princípio básico necessário para derrotar a esquerda, e costuma usar linguagem sexualmente carregada para chamar a atenção – em nossa reunião inicial, Olavo descreveu a eleição de Bolsonaro como uma “ejaculação precoce”. Ele argumenta que os dissidentes devem ser intimidados e, em um vídeo postado por um seguidor no YouTube, instrui os espectadores sobre como usar ataques pessoais para intimidar “comunistas”. Seus seguidores devem, diz ele, usar “todos os palavrões da língua portuguesa” contra os críticos. “Não se trata de destruir idéias”, continua Olavo, “mas de destruir as carreiras e o poder das pessoas. Você tem que ser direto e sem respeito – isso é muito importante.”
Nossa conversa em seu escritório em casa refletia essa estratégia. Eu citei vários exemplos para ele de seu apoio público à ditadura brasileira: suas declarações de que o regime era “muito mole”, de que sua “brandura” permitia que “mentiras esquerdistas” se perpetuassem. Ele dispensou todos eles e, em vez disso, mudou de foco, dizendo que eu estava ignorando as pessoas que os comunistas “estão matando todos os dias” em todo o mundo. Então ele ficou com raiva, me acusando de tentar pintar o certo como mau. “Você não tem pensamentos reais?”, Ele me perguntou. “Você só quer parecer fofa? Sua vida é apenas isso?”
Quando nossa entrevista de 90 minutos terminou, Olavo disse que estava me impedindo de publicar qualquer uma de suas citações – apesar de toda a conversa estar gravada (de fato, gravada por nós dois) – e ameaçou me expor na internet, embora ele ainda não tenha enviado o vídeo de nossa interação ao canal do YouTube.
Depois de uma breve pausa, seu tom de repente se tornou solene: “Eu queria que você soubesse que você enojou toda a minha família.” Então ele se levantou e disse: “Saia!”
Quando saí da casa dele e caminhei de volta pela estrada estreita cercada por pinheiros e bandeiras americanas, passei por uma velha Van Dodge com um adesivo traseiro que dizia “caçador de comunistas” e entrei no meu carro para ir para casa, fiquei maravilhada com ele— nosso encontro havia sido uma aula de mestre em sua filosofia e estilo: discursos de ódio contra a imprensa, dúvidas sobre fatos históricos e ameaças de armar seus seguidores online para acobertar seus críticos.
Olavo me disse com orgulho que através de seus ensinamentos ele criou uma “fábrica de gênios” online. “Minha influência na cultura brasileira é infinitamente maior do que qualquer coisa que o governo esteja fazendo”, disse ele. “Estou mudando a história cultural do Brasil. Os governos vão embora; a cultura permanece”.