DE OSLO
Um intelectual britânico do século 19 escreveu um livro sobre a história de Paris. Sublinhei um trecho que dizia mais ou menos o seguinte: “Quando você vai se aproximando de Paris, vai ficando mais inteligente”.
Pausa para os aplausos.
Bem, parafraseando o antigo escritor, quando você vai chegando à Escandinávia, vai se tornando mais civilizado. Estou em Oslo, a capital da Noruega, depois de ter passado por Reiquijavique, na Islândia, em missões jornalísticas.
A Escandinávia tem a sociedade mais avançada do mundo, na qual o espírito empreendedor, a base do capitalismo, tem a contrapartida num forte senso de comunidade, a essência do socialismo utópico.
Quanto mais o Brasil se tornar parecido com a Escandinávia, melhor. Ter ficado sob a esfera dos Estados Unidos tanto tempo foi um mal para o Brasil, inegavelmente. Herdamos, e ampliamos, os defeitos americanos. As grandes corporações brasileiras e seus donos, como acontece nos Estados Unidos, simplesmente não toleram pagar impostos. Na Escandinávia, ao contrário, criou-se um consenso pelo qual os mais afortunados pagam impostos altos porque é o preço – barato – para você ter uma sociedade harmoniosa.
É a terceira vez que venho a Oslo. Gosto de passear na praça do centro, em que fica o Teatro Nacional. Tiro, sempre, ali, uma foto da estátua de Ibsen, o maior escritor da história da Noruega. Ibsen em A Casa das Bonecas, do começo do século 20, captou o espírito do tempo.
Sua Nora, que se rebela contra a mediocridade da vidinha familiar que lhe estava destinada, é irmã de alma das sufragettes, as ativistas inglesas que há pouco mais de cem anos lutaram epicamente pelo direito de votar contra a vontade de homens arquiconservadores como Winston Churchill.
Passeio pela praça, numa Oslo ensolarada e feliz. Todas as listas de felicidade que se fazem hoje no mundo têm a Noruega e seus vizinhos nórdicos nas primeiras colocações.
Vejo, a alguns metros, um artista de rua com um chapeuzinho de norueguês e me aproximo. Canta bem, toca bem, e tem um repertório rico. Quer dizer, rico para mim, porque ele, embora jovem, canta músicas de meu tempo, os anos 1960 e 1970.
Paro mais que o habitual para ouvir. Deixo uma moeda, e depois outra. Num intervalo, pergunto de onde ele é. É francês. Compro dois cds artesanais dele. Peço que toque Norwegian Wood, mas ele não sabe. Me pergunta se Blackbird serve. Claro.
Enfim vou embora. Já tinha me afastado algumas dezenas de metros quando ouvi os primeiros versos de Hey Jude. Parei.
Lembro sempre de Paul, no Anthology dos Beatles, falando de Hey Jude. Jude é Julian Lennon, filho de John. A música foi feita para ele, que estava triste com a separação dos pais, na segunda metade dos anos 1960.
Paul disse que mostrou a música a John. John parecia indiferente até cantar o seguinte verso: “The movement you need is on your shoulder.”
Nem Sócrates diria coisa mais sábia que Paul naquele trecho de Hey Jude, e John notou isso.
Somos nós, e só nós, os responsáveis pelas ações que vão nos trazer coisas boas, ou coisas ruins. Não dependemos de ninguém além de nós mesmos para a busca da felicidade, e isso é uma verdade que muitos filósofos sublinharam ao longo dos tempos, de Sêneca a Montaigne, de Platão a Schoppenhauer.
Volto para o hotel com a melodia de Hey Jude morrendo lentamente na medida dos meus passos. Penso em John, penso na Escandinávia – e mais uma vez me ocorre que, à medida que você vai se aproximando dos países nórdicos, vai ficando mais civilizado.