A jornalista Lotten Collin está há dois anos no Rio de Janeiro. Trabalha como correspondente da rádio pública da Suécia.
Após as manifestações de 15 de março, Lotten foi convidada a participar de um programa da GloboNews com dois colegas estrangeiros. Eles dariam suas impressões sobre o evento.
Ali se deu um fato inusitado. A certa altura, a apresentadora Leila Sterenberg embutiu uma observação no início de uma questão para Lotten: “Você, que tem fama de esquerdista…”.
Pega no contrapé, Lotten passou batido e contou o que viu no domingo, especialmente seu choque com as pessoas que pediam intervenção militar e a quantidade de brancos.
Findo o programa, porém, um produtor ainda a saudaria, cheio de confiança: “Olha a nossa comunista”.
Parte dessa conversa está no site da Globo News (com um banner dos Correios, aliás). A íntegra com a provocação — chamemos assim — é só para assinantes.
Lotten relatou essa experiência em seu boletim, intitulado “Uma comunista na TV brasileira”. Nele, apontou a onipresença, em seu cotidiano carioca, das opiniões de Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e Miriam Leitão.
Eu falei com ela sobre a sutil enquadrada e seu choque cultural:
Eu achei muito ruim. Ela me falou, do nada, que eu tinha fama de esquerdista. Não acho certo me dar essa marca. Os outros dois convidados não tiveram esse tratamento. ‘Vocês, que são conhecidos por ser de direita…’
Por que eu?
Fiquei tão surpresa que nem pensei em responder na hora. Aquilo foi colocado junto com a pergunta sobre a manifestação. Depois da gravação, um produtor ainda me falou: “E aqui temos nossa comunista…”.
Recebi muitas mensagens sobre o episódio. A maioria me dando apoio, mas muitos afirmando que eu deveria ir embora. Houve quem no Facebook afirmasse que eu fui cortada quando ela chamou os comerciais. Isso, na minha opinião, não aconteceu.
Eu sou jornalista, não sou partidária, não sou pró-PT. Por que me caracterizar assim?
Não entendi muito as felicitações pela minha coragem. Eu estava tentando apenas fazer o meu trabalho.
No meu texto para a rádio, contei do poder da Globo: ‘Quando acordo pela manhã no Brasil, eu quero ouvir e ver fatos e perspectivas que possam retratar a diversidade do país. Só que, aqui, aparecem sempre as mesmas pessoas. É muito estranho que isso ocorra num país com 200 milhões de habitantes’. E por aí vai.
E pensar que eu fiquei lisonjeada de aparecer na Globo.
Nos anos 70, tornou-se folclórica a maneira como Roberto Marinho teria se referido a alguns de seus funcionários que incomodavam o regime. “Dos meus comunistas, cuido eu”, disse ele a um ministro, segundo a historiografia oficial. Essa passagem aparece em geral para realçar a “hombridade” do doutor Roberto.
A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.