Originalmente publicado em GNN
Por Aldo Fornazieri
Os filiados e militantes dos partidos políticos de esquerda certamente preferem votar nos candidatos de seus partidos. Esta decisão deve ser respeitada, pois ela decorre não só de uma convicção, mas também de uma fidelidade para com o partido pelo qual alimentam uma crença de que se trata da melhor expressão política, da melhor representação popular e do melhor projeto de mudança da realidade instalada no país. Muitos desses filiados e militantes desejavam que tivesse se formado uma frente de esquerda para as disputas municipais. Mas, por conta de uma série de circunstâncias que não cabe aqui analisar, essa frente não se formou e cada partido seguiu o seu caminho, fez as suas opções e terá que arcar com as consequências de suas escolhas, sejam elas boas ou más.
Mas a maior parte do eleitorado de esquerda e dos ativistas dos movimentos sociais, no entanto, não tem um vínculo de filiação e de militância com esse ou aquele partido, embora possa ter preferência pelo PT, pelo PSOL ou pelo PCdoB. Serão as escolhas desse eleitorado que definirão se as esquerdas terão ou não um candidato no segundo turno nas eleições municipais da cidade de São Paulo.
Esse eleitorado progressista e de esquerda fluido pode (e seria aconselhável que devesse) considerar que os partidos de esquerda são frações diferentes de um mesmo partido, que Gramsci denominava partido orgânico do povo. Essa concepção recusa a concepção dogmática, sectária e religiosa de que exista um partido que encarna a “verdade histórica”. Ela favorece também a possibilidade de construção de uma convergência necessária entre essas frações. Essas frações em determinadas circunstâncias se juntam e, em outras, andam separadas, como é o caso dessas eleições.
PT, PSOL e PCdoB fizeram suas escolhas e precisam ir até o fim. Boulos, Tatto e Orlando Silva tiveram uma conduta exemplar nesta campanha: não se atacaram e não procuram tirar votos um do outro. Isto constituirá um capital positivo e pedagógico para as relações futuras entre os partidos.
Estabelecidas e compreendidas todas essas circunstâncias e respeitadas todas as escolhas dos ativistas e militantes, é legítimo apelar para o eleitorado progressista e de esquerda para que vote na chapa de Boulos e Erundia. Para os fins desse apelo, seria eticamente inconveniente estabelecer termos de comparação da chapa do PSOL com a chapa do PT ou do PCdoB, pois se uma ou outra destas duas estivesse na posição em que a candidatura do PSOL se encontra, também seria legítimo apelar que se votasse numa delas.
Assim, este apelo se justifica, fundamentalmente, por uma razão pragmática: levar uma das candidaturas do campo progressista e de esquerda para o segundo turno. Em sendo a chapa de Boulos e Erundina aquela que expressa a possibilidade mais factível para que isto aconteça, é para ela que se faz o apelo do voto.
Alguém poderia argumentar que se deveria apelar para que Tatto e Orlando Silva retirassem as candidaturas. Isto é um erro, por três razões: 1) as candidaturas se lançaram na disputa, criaram expectativas, geram escolhas dos eleitores e isto precisa ser respeitado; 2) não há garantias de que a maior parte dos votos intencionados em Tatto e Orlando Silva se desloquem para Boulos em caso de retirada; 3) aqueles eleitores que desejam votar no candidato do PT ou no candidato do PCdoB e que julgarem importante ter um candidato de esquerda no segundo turno têm a liberdade, a partir de um exame racional da situação, de optar por votar em Boulos.
Outra justificativa que o eleitor progressista e de esquerda pode buscar para decidir o voto em Boulos e Erundina consiste em promover um balanceamento entre ética da convicção e ética da responsabilidade de que falava Max Weber. As convicções de cada um podem indicar o voto em Tatto ou em Orlando Silva por considera-los melhores ou por afinidade partidária. Mas, em muitas decisões e ações políticas, se nos guiarmos apenas pela pura convicção, podemos promover o mal maior.
Em política, os fins não justificam os meios e Maquiavel jamais propôs essa assertiva. É preciso fazer sempre uma adequação entre meios e fins, percebendo quais fins justificam quais meios. Muitas vezes devemos perceber que ao mantermos determinados fins a sua consecução implica na adoção de meios que negam os próprios fins. Por isso, em determinadas circunstâncias, precisamos fazer um ajuste nos fins, relativizando-os e compatibilizando-os com meios adequados.
Em política sempre corremos o risco de, em nome do bem, produzir o mal. Isto é recorrente na história ou nas histórias. Não há uma regra a priori que seja capaz de definir com exatidão as escolhas éticas adequadas na ação política. Por isso, o agente político, o sujeito político, deve usar a prudência para saber até onde ele pode ir e quando e onde deve parar. A prudência evitará que em nome do bem se produza o mal e que em nome da salvação se cometa o crime.
Somente com o juízo prudente a presidir nossas decisões e com a adequação entre meios e fins podemos compatibilizar nossas convicções com a nossa responsabilidade. Levar Boulos e Erundina para o segundo turno, impedindo que haja um segundo turno entre Covas e Russomano, é uma responsabilidade que se coloca diante de cada eleitor progressista e de esquerda. Fazer essa opção pode implicar numa relativização conjuntural dos seus fins, mas não contraria suas convicções e seus fins.
Por isso, sabendo que estamos ainda num início difícil de reconstrução das esquerdas e que a caminhada ainda é longa, seja para depurar os erros e os extravios, seja para enfrentar a direita, o peso esmagador do capital e desafio de persistir na luta em que pese as dificuldades devemos ter a tranquilidade e o bom senso de votar em Boulos e Erundina sem nenhum demérito para Tatto e Orlando Silva.