Houve um erro de cálculo no golpe levado a cabo por Michel Temer, Eduardo Cunha et caterva: Dilma e sua resiliência foram subestimadas.
Isso fica claro a cada dia, quando seu discurso, amparado em fatos, força gente como Aloysio Nunes e Romero Jucá, por exemplo, a explicar o inexplicável e partir para a desqualificação.
Na entrevista que concedeu a blogueiros na quarta à tarde no Palácio do Planalto, à qual estive presente, ela reforçou a narrativa que se mostrou vencedora e que tem nela, afinal, a força motriz: é golpe. Ponto.
Sem demonstrar qualquer sinal de abatimento, sentada à mesa redonda de um dos salões, ela abriu os trabalhos no ataque.
“Acho que o que está em questão não é o meu mandato apenas, mas também a democracia, portanto, a vida dos cidadãos comuns. O que está acontecendo é uma eleição indireta travestida de democracia”, afirmou.
Os conspiradores, em sua opinião, “deixaram tudo às claras”. “Primeiro, o conspirador-mor, o presidente da Câmara”, começou.
Na sequencia, centraria fogo no vice. “Ele não teve voto, quem teve voto foi a presidente. O fulcro da ilegitimidade é que quem quer me substituir e conspirou para isso não tem voto popular. E só tem um jeito de se legitimar na democracia, é pelo voto popular”.
Dilma diz que lutará “em todas as trincheiras. Vencendo cada etapa.” Sinalizou a possibilidade de ir às ruas, se for cassada. Recusou-se a comentar sobre a proposta de eleições antecipadas, mas deixou claro que não considera a ideia nenhum absurdo.
“Nunca achei que estaria de novo lutando pela democracia”, falou. “Domingo, nós fomos premiados por uma votação que, em momento algum, tocou nos motivos pelos quais era necessário o impeachment.”
“Está em curso uma injustiça. Está em curso um processo viciado. O pecado original estava sentado na mesa, presidindo a sessão”.
Mais: “Nós estamos disputando quem são os verdadeiros democratas desse país. Nós mostraremos toda nossa indignação. Falhas e desvios.”
A mão bateu na mesa algumas vezes. “Eu não estou me vitimizando, eu sou vítima disso. Estou sofrendo a pior dos agravos, que é ser condenada injustamente.”
Levantei uma questão: se a conspirata era pública há tempos, houve alguma tentativa de confrontar Michel Temer? Se não houve, deveria ter havido?
“A história vai demostrar que os pais do golpe todos renegarão a criança. Em relação à carta, tive uma conversa em que ele dizia que era mais um desabafo do que qualquer outra coisa. O golpe atingiu seu auge com o vazamento para si mesmo. Ali rasga-se a fantasia. Nós estamos lidando com conspiradores que negam a conspiração. Depois, a partir de um determinado momento, quando se sentiram protegidos, se expressaram”.
“Golpe não se discute”, prosseguiu. “O golpe se recebe ou se dá”. Renato Rovai, da Revista Forum, voltaria ao tema.
Dilma ilustrou seu ponto com uma passagem do período de presa política. Ela ficou amiga, na Oban, de Jacob Gorender, dirigente comunista. Falavam-se através de uma “portinha”.
“O velho vira pra mim e diz uma coisa: nem tudo tem um objetivo claro. Eles não sabem de tudo. Ninguém sabe de tudo. A ação sempre é um pouco fragmentada. Tem uma certa opacidade na realidade. Não posso achar que a condução é linear”.
Nunca achou que Temer pudesse fazer o que fez?
“Eu achava que não, por um motivo não mencionável. Não mencionável. Não vale a pena a gente falar das pessoas. Eu não me presto a isso”.
Deu a entender que, quando questionava o vice, ele escapulia. “Chega lá e ele diz que não falou, que quem falou foi o cara [o jornalista]”.
“É importante lembrar que tem grupos fortes que escolhem agentes, e esses agentes mudam. Em momentos anteriores, os atores não estavam no PMDB, estavam no PSDB. O ator que foi retirado é aquele que foi vaiado numa manifestação que tinha que ser dele [Aécio]”.
“Vou até as últimas consequências contra o golpe. Continuo sendo presidente. Eu sou presidente da república.” Na sexta feira, Dilma estará na ONU e terá 5 minutos diante de chefes de estado. Dará seu recado.
O áudio com a íntegra da entrevista está aqui.