Por Camilo De Oliveira Aggio, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em seu perfil no Facebook.
O texto de William Waack publicado em edição da Folha tem tudo para entrar para os anais das armadilhas psicanalíticas da escrita. Isso porque, no esforço de tentar convencer de que não é racista, dá demonstrações cabais de que é um – e dos mais tradicionais, rasteiros e óbvios.
Eu poderia me ater ao esforço do cara em construir uma cortina de fumaça para o que disse com todas as letras (e o mais irônico é que usou o “coisa de preto” num ato de defesa a Donald Trump, um racista notório) se fazendo de vítima do radicalismo persecutório das tais das redes digitais ou no simples fato de ser um cara na casa dos cinquenta e poucos anos incapaz de assumir um flagrante ato de racismo e se desculpar, mas me aterei à prova tão banal quanto definitiva.
Em dado momento do texto, o ex-jornalista da Globo afirma, com alguma gabação, que ao longo de 21 anos trabalhando no exterior, nunca encontrou um povo tão “brincalhão e extrovertido” quanto o brasileiro. E é isso que os “linchadores digitais” tentam nos sequestrar, fazendo o que fizeram com ele: nossa alegria e extroversão.
Para William Waack, afirmar e reafirmar, com galhofa, que um ato de protesto a Donald Trump só poderia ser “coisa de preto”, nada mais é do que uma brincadeira típica da extroversão singular dos brasileiros. Waack é igualzinho àquele tio, fã do Bolsonaro, que fica indignado com quaisquer tentativas de suprimir seu direito de discriminar. É representante do que há de mais natural, tradicional, corriqueiro e perverso no racismo brasileiro: quem determina o que é racismo e discriminação nunca é o alvo da “brincadeira”, mas seu autor. É o cara que discrimina que roga para si a determinação da natureza do que fez, nunca o sujeito ofendido e discriminado.
Não, Waack, o que você fez não é brincadeira nem extroversão, é a prática de racismo mais banal que ainda, como se vê, atravessa, quase intacta, gerações e mais gerações. Os outros países que você cita, meu caro, não são desprovidos de alegria e extroversão, são apenas países que, ao menos nesse nível de nojenta explicitude, não praticam seu racismo.
Bom, William, eu só tenho, muito, a agradecer por ter escrito esse texto. Não sobra uma dúvida sequer quanto a sua qualidade moral e intelectual, evidentemente incompatível com o exercício de uma profissão que deveria ser séria, social e politicamente responsável. Nesse ponto, seja lá se por razões virtuosas ou não, a Globo acertou. Minha torcida é pelo seu ostracismo. E não por ter cometido um erro detestável que poderia ser, em alguma medida, reparado, mas por confirmar que aquilo que foi dito, de fato, o representa.