“Woke”: Entenda a batalha cultural e política em torno do termo nos EUA

Atualizado em 8 de novembro de 2024 às 7:21
A palavra “woke” ganhou um significado político e social que vai além do seu sentido literal – Foto: Reprodução

O termo “woke”, literalmente traduzido como “acordei” do inglês, evoluiu nos últimos anos para um símbolo cultural e político nos Estados Unidos, com conotações que vão além do simples significado de estar desperto. Originalmente utilizado na comunidade afro-americana para designar “alerta para injustiças raciais”, o termo ganhou destaque em 1962, quando o romancista William Melvin Kelley publicou um artigo no The New York Times intitulado “If You’re Woke, You Dig It.” Esse uso ressurgiu recentemente, principalmente após o movimento Black Lives Matter, que ampliou a percepção da palavra para questões sociais e políticas mais abrangentes. As informações são da BBC.

Em 2017, o dicionário Oxford oficializou essa nova definição, descrevendo “woke” como estar consciente sobre temas sociais e políticos, em especial o racismo. Essa visão, inicialmente positiva, logo se dividiu em dois polos. Para muitos, “ser woke” significa adotar uma postura atenta às injustiças e aos direitos civis. No entanto, para outros, o termo passou a representar extremismo e hipocrisia, especialmente quando associado à chamada “cultura do cancelamento” – o ato de boicotar indivíduos por opiniões consideradas ofensivas.

A cultura woke virou também um tema central na política americana. Para os democratas, a consciência woke é um marco de progresso e defesa de direitos civis. Ela envolve pautas sobre igualdade racial, direitos LGBTQIA+, feminismo e ativismo ambiental, entre outros temas. No entanto, os republicanos, especialmente liderados por Donald Trump e Ron DeSantis, interpretam essa postura como uma ameaça aos “valores tradicionais americanos”, e frequentemente associam a cultura woke à censura e à repressão de ideias.

Na corrida presidencial de 2020, Trump utilizou o termo “woke lefties” para atacar políticas liberais que ele considera radicais, afirmando que esses ideais ameaçam a liberdade de expressão e os valores democráticos. Esse embate reflete uma polarização crescente nos Estados Unidos, onde, segundo o Pew Research Center, democratas e republicanos estão mais distantes ideologicamente do que em qualquer outro período recente. A percepção dos partidos como “inimigos” é cada vez mais comum, exacerbada pelo contexto das eleições de 2024.

Donald Trump comenta sobre a ‘cultura woke’ durante Conferência da Ação Política Conservadora – Foto: Reprodução

Os debates em torno do termo também se intensificaram no setor empresarial. Muitas empresas, ao adotarem políticas ou campanhas de impacto social, foram taxadas de “woke” e criticadas por setores conservadores. Um exemplo é a Gillette, que enfrentou boicote após uma campanha contra a masculinidade tóxica. A Disney também se tornou alvo de ataques ao se opor a uma lei na Flórida que proíbe discussões sobre orientação sexual e identidade de gênero nas escolas, atitude que levou o governador Ron DeSantis a revogar o status especial da empresa no estado.

Até mesmo a cultura pop foi afetada pela polarização. A escolha de uma atriz negra para protagonizar a nova versão de A Pequena Sereia gerou polêmica e foi considerada um exemplo de ativismo woke. De um lado, muitos celebraram a representatividade; de outro, alguns conservadores criticaram a decisão, interpretando-a como um afastamento desnecessário das tradições do filme original.

O ex-presidente dos EUA Barack Obama – Foto: Reprodução

A cultura woke também gerou um debate interno no Partido Democrata. O ex-presidente Barack Obama, em 2019, criticou o foco excessivo na “verificação do nível de wokeness” das pessoas nas redes sociais, alertando que esse comportamento não geraria mudanças significativas. Em contraste, Alexandria Ocasio-Cortez defende a cultura woke como uma ferramenta importante para a justiça social, afirmando que a oposição ao movimento pode desviar o foco de temas cruciais, como os direitos civis e de voto.

Os setores empresariais também são afetados pelo que alguns chamam de “capitalismo woke.” Empresas que adotam práticas de ESG (ambientais, sociais e de governança) são frequentemente vistas com ceticismo pelos conservadores, que enxergam essas iniciativas como tentativas de ganho de popularidade à custa de valores tradicionais. No entanto, para os progressistas, essas práticas representam uma resposta necessária aos desafios sociais e ambientais da atualidade.

No contexto atual, a palavra “woke” tornou-se muito mais do que uma gíria. Ela reflete profundas divisões culturais e políticas nos Estados Unidos, acirrando o debate entre liberdade de expressão e responsabilização, progresso e tradição.

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