Eugênio Aragão foi vice-procurador-geral eleitoral do Brasil e ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff antes do golpe. Nas eleições de 2022, tornou-se coordenador jurídico da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-ministro foi entrevistado pelo DCMTV sobre as duas vagas que serão abertas no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Ricardo Lewandowski vai aposentar no mês que vem. Rosa Weber deixará o cargo em outubro.
Aragão falou também de exemplos internacionais nas cortes superiores. O ex-ministro da Justiça contou de seu arrependimento de indicar Rodrigo Janot para a PGR e da atuação do amigo Joaquim Barbosa no Supremo, comparando-o com a jurista negra Vera Lúcia Araújo, que também é cotada para a vaga, assim como Lênio Streck e Pedro Serrano.
Alguns highlights:
Zanin é o nome mais provável para Aragão
Não está nos meus planos e não me vejo indicado ao STF. E eu não devo me colocar. Isso seria uma coisa muito feia. Se você for colocado, que sejam outras pessoas responsáveis por isso. Mas eu não tenho esse projeto.
A própria então presidenta Dilma [Rousseff] não teve o meu nome considerado. Por várias razões o meu nome acabou não emplacando. A vida tem dessas. Só que para mim, no meu projeto pessoal, ainda bem que foi assim. Hoje eu estou na advocacia e estou bem mais feliz assim.
Não tenho medo de ir no Beirute [bar de Brasília] e levar cadeirada. E existem muitas trincheiras na luta popular.
O Supremo é uma. Estrategicamente muito importante. Mas existem outras. A gente tem que ver a vida desse jeito. É uma permanente trincheira de luta. Acho que as pessoas indicadas para a vaga tem suas virtudes. Cabe ao Lula escolher.
Ao que tudo indica, Cristiano Zanin Martins é a indicação mais provável. Se ele for para o STF, é uma excelente escolha. Você sabe que Cristiano tem lado. É uma pessoa que batalhou para que o Lula saísse daqueles 580 dias de cativeiro.
Fez isso com uma maestria enorme, sempre muito discreto. Sempre muito gentleman, tratando todo mundo muito bem. Não vejo uma coisa negativa no Zanin. O que tem é a Folha S.Paulo criando caso. E existem as plantações de concorrentes [na mídia]. Pessoas que querem se colocar adoram ficar plantando notinhas. Contra um e contra outro.
Fizeram isso contra mim durante a campanha de 2022. Você nem responde. Deixa isso para lá. Existe uma campanha para te desgastar nessa situação. É profundamente injusto, sem prejuízo dos outros candidatos a vaga. Eles têm seus méritos.
Zanin reúne todas as características para ser ministro. Está na idade certa e é de confiança. Ponto! Acabou. E não acho que o Senado vai reprovar. Vai ser uma sabatina dura. Assim como foram duras as do Fachin, Barroso e da ministra Rosa.
O que estão fazendo com o Zanin é extremamente injusto.
A oposição de Merval ao nome de Zanin e o exemplo americano
Há a falácia americana no argumento do Merval Pereira sobre a advogada do George W. Bush que ele não emplacou na Corte Suprema. Vamos lembrar de Robert Jackson?
Robert H. Jackson foi o principal promotor em Nuremberg, ele estava cotado e foi aprovado para o cargo no Senado norte-americano para ir para a Corte Suprema.
Quem o indicou foi o presidente da época, Franklin Roosevelt. Harry S. Truman, presidente que o sucedeu, encaminhou o nome de Robert Jackson para o cargo. Ele advogou pelo Truman e pela sua família há muito tempo.
Foi aprovado, mas teve que fazer um estágio em Nuremberg. Truman só confiava em Jackson nesse julgamento e depois era certo sua nomeação. Pronto. Foi isso que aconteceu.
Vai dizer que os Estados Unidos tem compadrio? É a mesma coisa, gente. Lá também tem seus interesses. O Bush não conseguiu porque talvez ele estivesse negociando, não tinha maioria, e isso acontece.
Por exemplo, o Obama quis indicar uma pessoa e o Senado segurou a indicação para deixar a vaga para o Trump. Isso ocorre mesmo. É a briga entre liberais e conservadores. Democratas sempre indicam juízes liberais e o Republicanos, os conservadores. Seguraram e o Barack Obama não tinha maioria. Relações pessoais se fazem ali e não há nada de errado nisso em princípio, desde que você não indique seu filho ou sua nora.
A jurista negra que pode ser indicada por Lula ao STF
O nome de Vera Lúcia Araújo é da militância e coerente. Acredito que quem diz que ela não será boa ministra por ser negra é papo de branquelo. É possível encontrar bons nomes obedecendo a critérios de gênero e de cor. Não vejo nenhum problema nisso. Vera Lúcia eu conheço desde 79. Conheço há 40 anos. É coerente, combativa e do PT. Nunca fugiu à luta. É uma ótima opção para a vaga de Rosa Weber.
Tinha um grande amigo que era o Joaquim Barbosa. Joaquim é um tipo muito diferente da Vera Lúcia Araújo, jurista negra que está sendo aventada para a vaga do STF nesse governo Lula. Dizem que ele foi uma “grande decepção”.
Rapaz, Joaquim Barbosa era um “tipo”. A Vera é outro. Ela é militante. É uma pessoa da briga e da luta. Joaquim nunca foi disso. Joaquim é um “bon-vivant”. Gosta de viver bem. Atuou bem na procuradoria, mas sempre gostou muito de dar palestra em Stanford, em Nova York. Gostava de ir para a Sorbonne. Essas coisas ele adorava.
Quando tinha que se engajar, colocar o “boi no chifre”, isso ele nunca fez. Não é o tipo dele. Isso não o tornava mais ou menos simpático.
Joaquim Barbosa e o estrago do Mensalão
Joaquim sempre votou no PT. Era uma pessoa politizada. Tinha um estofo intelectual. Sempre votou no PT e isso o qualificou para o cargo. Agora, as pessoas mudam com o poder. Por várias razões. Até por não aguentar os desafios do poder.
Joaquim, ele próprio, sempre se sentiu discriminado dentro do Supremo pelos colegas. Isso certamente mexeu com o ego dele. Ele me disse, antes do Mensalão: “Se eu soubesse que era assim, eu não teria ido ao Supremo Tribunal Federal. Minha vida era melhor antes do Supremo”.
Ele sofreu muito com isso. Por isso penso que o que ele fez no Mensalão foi uma resposta àquilo que ele viu como humilhações, que ele sofreu. Ele realmente se exaltou. Se exaltou contra os colegas inclusive. Chamando o ministro Lewandowski de “chicaneiro” numa sessão. Batendo boca várias vezes com o Gilmar [Mendes].
Tirando o Mensalão, todos os votos que o Joaquim Barbosa deu foram progressistas. Ele deu voto a favor das populações indígenas. Ele sustentou os interesses do governo na Reforma da Previdência. Os votos dele sempre foram consistentes ao lado do governo.
O Mensalão foi um ponto fora da curva, disse o próprio [Luis Roberto] Barroso. O homem se exaltou e foi profundamente injusto. Genoino é o caso mais notório, mas o próprio José Dirceu. Não tinha prova nenhuma contra ele. João Paulo também foi. O Henrique Pizzolato é um caso absurdo. Ele não tinha nada a ver com Visanet ou BB Participações. Ele era diretor do BB, do Banco do Brasil. Visanet não era pública e tinha dinheiro privado. O empréstimo do Banco Rural existiu e o Partido dos Trabalhadores foi cobrado. Cai a Visanet, cai o escândalo todo.
Tiveram que inventar uma teoria “do domínio do fato”, que foi emprestado de uma teoria alemã que não tem nada a ver com isso. O próprio Claus Roxin que inventou essa teoria disse que não tem a ver com o Brasil.
O Joaquim ficava em pé nas sessões porque tinha um problema nas costas, que era uma somatização, e falava aos berros. Mensalão abriu porta para as disfuncionalidades que chegaram no bolsonarismo.
Só demos a volta por cima porque os bolsonaristas são tão idiotas e tão burros que agrediram o Judiciário que deu o poder a eles. A guerra de Bolsonaro ao Judiciário foi a causa de sua derrota.
Mensalão foi um assombro. O que se viu foi o STF sendo conduzido pela Veja, pela Globo. Era algo inédito. Quando Collor de Mello era presidente, ele renunciou no processo de impeachment, que foi conduzido. Na seara criminal, o Supremo não entrou nesse jogo. Collor foi absolvido criminalmente. Marco Aurélio, ex-ministro que é seu primo, foi o primeiro a se dizer suspeito.
Supremo teve capacidade naquela época e o movimento contra o Collor não foi pequeno. Teve capacidade de ser contramajoritário. E não teve essa mesma capacidade com o Lula. E olha que o Supremo Tribunal Federal estava cheio de gente indicada pelo Lula. Collor tinha indicado só dois.
O primeiro governo Lula começou a ser golpeado no primeiro dia que assumiu. A direita estava sempre buscando um motivo para apeá-lo do poder. Veio o escândalo dos Correios e o Mensalão, com um celerado como o Roberto Jefferson. Dirceu sofreu as consequências de uma história contada no Jornal Nacional.
Novos ataques a Lula e o “legado” de ministros do Supremo
Inventou-se a ideia de que ministros do STF deveriam ter mandato, tirando sua vitaliciedade. Quem fez isso foi Orbán, premiê na Hungria. Com isso ele agrediu a independência do Judiciário. Querem mexer com os ministros que o Lula quer nomear, criando duas classes na Corte.
Ministros de “segunda categoria” do Lula e os grandes do Bolsonaro, como André Mendonça e Kássio Nunes Marques. E ressuscitam o semipresidencialismo.
No Globo dizem que 10 anos é o suficiente “para um ministro deixar um legado”. E ministro deve deixar legado? Legado é para os meus filhos.
É coisa da vaidade deixar legado, não é?
É da natureza das coisas saber que nada é insubstituível. Todos nós um dia vamos bater as botas. Todos nós vamos morrer e o mundo vai continuar girando. Então não existe essa coisa de “o meu legado”.
É necessário que o ministro seja republicano e que faça o seu trabalho direito. Legado? Que legado, rapaz? Nenhum de nós é Jesus Cristo.
Confira a entrevista na íntegra.