“Zezé Di Camargo me toca mais que Vinícius de Moraes”

Atualizado em 31 de março de 2013 às 10:22

Nossa colunista fala sobre o valor da música sertaneja e sua contribuição à música brasileira.

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Encostada ao lado da porteira da pequena fazenda, reparo a terra pronta para o plantio e lembro: música sertaneja também é MPB. Mas a afirmativa parece ter dificuldade de ser verdadeiramente incorporada na realidade. E, por favor, não pense apenas em representantes clássicos como Sérgio Reis, Almir Sater, Renato Teixeira, Rolando Boldrin, Tonico & Tinoco. Há uma parte da imensa fartura de talentos com os seus próprios contornos, expressões e interpretações intensas, passando por Zezé Di Camargo & Luciano chegando à Victor & Leo, Eduardo Costa e Cristiano Araújo.

Blogs, sites, jornais, revistas, programas de TV que se auto-definem “de conteúdo” ignoram o gênero tão querido pelo povo brasileiro e nas raras vezes que resolvem abordar não disfarçam o pouco caso. Alegam que o sertanejo que não é de raiz é imposto pelas rádios ou coisa assim.

Sinto muito, mas as pessoas podem escolher, afinal música variada é produzida em nosso país aos montes, e a maioria dos fãs optou pelo sertanejo há tempos. É só dar uma olhada em ingressos e discos vendidos, números de acessos na internet, audiência dos programas que recebem esses artistas.

Quando, no Brasil, predominava a MPB tradicional, bossa nova, jovem guarda ou pop-rock, não havia tanta reclamação como no momento em que o sertanejo tomou conta de boa parcela da situação. No passado só tocava em rádio AM. Ou seja, na hora que o pagode, axé, deliciosos calypsos, lambada e forró conquistaram espaço, aqueles que se dizem “intelectuais” reclamaram de maneira grosseira, separando a preferência da massa como se fosse de quinta categoria. Não é, nunca foi. Serviço mal feito, pois isso só propagou divisão e preconceito.

Ser caipira não tem nada de errado, como tentaram pregar por aí. Pelo contrário, para nós é um elogio, denota uma sabedoria que vem do coração sincero. O orgulho pela geração anterior está escancarado em cada novidade do sertanejo atual.

Como ainda podem dar credibilidade à uma canção de acordo com quem a interpreta? Se ela está na voz de alguém que veio do samba de raiz ou dos artistas da tropicália, por exemplo, é nobre; já se for um talento não arrebatado por tais referências não tem o menor valor cultural.

Me toca muito mais, apesar do lamento apaixonado não ser tão diferente: “Outra vez meu coração te procura/ Outra vez a solidão me tortura/ E eu aqui com essa saudade bandida/ Falta amor/ Falta você minha vida…” (Saudade Bandida de Zezé Di Camargo & Luciano), do que “Eu sei que vou te amar/ Por toda a minha vida eu vou te amar/ Em cada despedida eu vou te amar/ Desesperadamente eu sei que vou te amar…” – (Eu sei que vou te amar, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim). E nunca me deparei com algo tão especial no mundo como “Olhos de Luar” de Chrystian e Ralf!

Artistas mais recentes escutaram, amaram e se encantaram por infinitas modas dos caminhos da roça em épocas distintas, então misturaram sons, instrumentos diversos e transformaram em um jeito peculiar de criar. Claro que sinto falta das histórias e natureza poeticamente bem retratadas nas letras, mas sempre surge uma juventude resgatando a característica tão essencial. Luan Santana, no meio de suas apresentações, canta um modão antigo. Adolescentes costumam querer descobrir o original.

A gravadora, em geral, contrata depois de constatar o sucesso que o artista/ dupla faz. Inúmeros são os casos de trabalhos independentes serem um estouro, depois do boca-a-boca, nas pequenas rádios espalhadas pelos cantos do Brasil, que passam a lotar shows e só então surge o convite da gravadora. Não é regra, mas acontece bastante.

Qualquer estilo agrupa as músicas para sentir, sonhar ou aprofundar, ou mesmo para dançar e esquecer do cotidiano dolorido. Com a música sertaneja não é diferente.

Desejar ver a cultura que se carrega nas entranhas da formação e da alma, indicada, divulgada, revelada, incluída e respeitada nos meios de comunicação pensantes, questionadores, é um direito. Houve uma tendência de se valorizar só o tradicional ou uma cultura importada, padrão que, de uns tempos pra cá, vem caindo.

Não quero convencer ninguém a se tornar fã de musica sertaneja. Somente notar que, por parte do público, ela está sendo tratada com o cuidado que merece, sem separação, seja lá onde for.